domingo, 20 de novembro de 2016

HISTÓRIA


ZUMBI E A ESCRAVIDÃO

Pedro Paulo Paulino

O dia 20 de julho é dedicado a Zumbi, o mais famoso herói do Quilombo dos Palmares, morto em 1695. O quilombo, situado na região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, Alagoas, resistiu por quase um século e se desfez em 1710. Dessa época até a abolição da escravatura ainda se passaram quase dois séculos, pois o Brasil foi um dos últimos países a libertar os cativos. Não há registro, na história humana, de genocídio maior do que o praticado durante centenas de anos contra os negros traficados da África, principalmente para as colônias imperiais nas Américas. Tratados como bichos – para usar uma comparação grosseira, uma vez que os bichos também devem ser tratados com dignidade – os escravos eram submetidos aos mais cruéis tratos, suplícios e torturas. Eram trancafiados em senzalas, marcados a ferro em brasa e trabalhavam brutalmente sem ganho.
O escritor Laurentino Gomes, em seu excelente livro “1808”, dedicou um capítulo ao tema. Os dados comovem e assustam. “Entre os séculos dezesseis e dezenove, cerca de 10 milhões de escravos africanos foram vendidos para as Américas. O Brasil, maior importador do continente, recebeu quase 40% desse total, algo entre 3,6 milhões e 4 milhões de cativos”, escreve Laurentino. “Na África, cerca de 40% dos negros escravizados morriam no percurso entre as zonas de captura e o litoral. Outros 15% morreriam na travessia do Atlântico, devido às péssimas condições sanitárias nos porões dos navios negreiros. Da costa atlântica, uma viagem até o Brasil durava entre 33 e 43 dias. De cada cem negros capturados na África, só 45 chegavam ao destino final. Significa que, de dez milhões de escravos vendidos nas Américas, quase outro tanto teria morrido no percurso, num dos maiores genocídios da história da humanidade”.
Um lance dramático: “No dia 6 de setembro de 1781, o navio inglês Zong, de Liverpool, saiu da África rumo à Jamaica com excesso de escravos a bordo. Em 29 de novembro, no meio do Atlântico, sessenta negros já haviam morrido por doenças, falta de água e comida. ‘Acorrentados aos pares, perna direita com perna esquerda e mão direita com mão esquerda, cada escravo tinha menos espaço do que um homem dentro de um caixão’. Temendo perder toda a carga antes de chegar ao destino, o capitão Luke Collingwood decidiu jogar ao mar todos os escravos doentes ou desnutridos. Ao longo de três dias, 133 negros foram atirados da amurada, vivos”.
Segundo o autor, no Brasil “os museus coloniais estão repletos de instrumentos pavorosos de punição e suplício dos escravos. A punição mais comum era o açoite, nas costas ou nas nádegas, quando fugia, cometia algum crime ou alguma falta grave no trabalho”. O escravo era amarrado no pelourinho, exposto em praça pública e, conforme a infração cometida, levava de cem a trezentas chibatadas. Pior que os açoites era, talvez, o tratamento aplicado depois. Em carne viva, as costas dos negros punidos eram lavadas com sal e pimenta, para evitar infecção. A morte do escravo, enfim, era prejuízo para o dono.
Tudo isso aconteceu na história contemporânea, há pouco mais de um século e durante os dois mil anos da cristandade. A Igreja Católica, por sinal, calou-se friamente durante todo esse período a respeito da escravidão. Toda a fraseologia e palavreado dos clérigos, pastores, guiadores espirituais dos povos sequer tocou no assunto. Mesmo porque os religiosos também eram senhores de escravos. Escravizar o semelhante foi, por centenas de anos, ou continua sendo, a coisa mais natural do mundo para o homem dito civilizado. 

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